Princípio Biocêntrico

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Hedilane A. Coelho

Diretora pedagógica

Princípio Biocêntrico é o paradigma que organiza a teoria e a metodologia da Biodanza, técnica pedagógica e terapêutica criada por Rolando Toro. O aspecto pedagógico contempla a proposta de Paulo Freire, cujo centenário se comemora neste ano de 2021, de modo que autonomia, conscientização, reflexão sobre o social e suas relações e narrativas de poder são  também abordagens da Biodanza que busca uma prática para a libertação do sujeito. Há um diálogo transformador entre esses dois pensadores e no que concerne à Biodanza vemos sua ação pedagógica auxiliando o ser a tornar-se mais humano. E é uma técnica terapêutica porque,   sob o efeito de novas aprendizagens, o retorno ao sujeito se dá com uma nova consciência de si e do outro, tendo como resultado um novo olhar (quiçá uma cura) sobre o mal social, cultural que oprime a civilização. 

Este princípio deveria ser o princípio a ser seguido por todos  que se ocupam de projetos educacionais, sociais e, principalmente, de saúde. Não se pretende que ele seja exclusivo da Biodanza, embora tenha sido criado para guiar a Biodanza em seu conteúdo e prática; muito pelo contrário, ele deve ser a palavra de ordem, se quisermos saúde individual, coletiva e, por que não?, planetária.

Como o nome já diz, é um princípio; deveria, pois, principiar todas as nossas ações. E sendo Biocêntrico, vemos que sua construção teórica induz a uma práxis: a vida no centro , hoje uma necessidade urgente, para se contrapor à cultura de morte a que estamos sendo submetidos, trabalhando em prol do indivíduo e da sociedade para modificar suas relações e por conseguinte o meio social.

Se a educação, de um modo geral, fizesse esse serviço de criar uma estrutura psíquica capaz de proteger a vida, os sujeitos certamente seriam outros e talvez não estivéssemos vivendo de forma tão destrutiva, com essa cultura de ódio e de desconstrução dos pilares fundamentais à vida em sociedade, isto é, garantia e preservação da vida humana e ambiental; vida de real qualidade para todos.

O que nos diz mais especificamente este princípio? Diz que a vida depende da vida. Parece óbvia esta afirmação e até simplista, mas não a ponto de fazer o sujeito humano pensar sobre ela e concluir que se a vida planetária não for preservada, a vida dos humanos perecerá. A Terra poderá adoecer, mas a vida do planeta,  preexistente ao homem, continuará, apesar dele, e fará surgir novas ou iguais formas de vida;  a humanidade não, ela, com certeza, irá se extinguir . Assistimos a um ensaio sobre isso no começo da pandemia com o isolamento social. Pôde-se observar uma recuperação das águas e do ar pela diminuição das atividades humanas nesse período. É preciso, então, pensar que nós podemos ser extintos pelos danos causados ao planeta Terra! Temos conhecimentos sobre esses danos, mas é sempre importante lembrá-los para servir de alerta a todos nós. Desmatamento, queimadas, poluição, aquecimento global, superpopulação, dejetos químicos, lixo e plástico em abundância, esgotamento da camada de ozônio, tudo isso são graves fatores de destruição do meio ambiente. Logo, em que ambiente achamos que vamos poder viver?

Isto nos exige refletir sobre as gerações futuras. A pergunta que faz Ailton Krenak em seu livro Ideias para adiar o fim do mundo é um ótimo começo para começar a provocar reflexão: “Qual é o mundo que vocês estão agora empacotando para deixar às gerações futuras?”. Vocês somos nós, nós civilizados, porque ele pertence à tribo dele e vive de forma integrada à natureza. Para ele tudo é natureza; os povos originários ensinam que homem e natureza formam uma unidade; nós é que dividimos, separamos, cindimos a relação entre homem e natureza e assim o mundo se tornou essa coisa esquizofrênica. A mente humana não funciona mais a serviço do que se considera bom, saudável, justo. Perdeu-se, sobretudo, a visão das consequências e forjou-se um discurso delirante que tenta (e acho que consegue)  convencer que o mau é bom, que o veneno é bálsamo, que o progresso irá nos salvar! De modo que essa responsabilidade é nossa. O organismo vivo que é a terra sofre com as ações depredatórias da civilização; a Terra chamada por muitos povos de mãe-terra vai perder sua capacidade de nutrir seus filhos, de protegê-los, de acolhê-los. Irá se transformar num ambiente hostil por causa de nossa alienação, por falta de conhecimento de si, por falta de compromisso com o saber legítimo do que se chama viver em comunidade, por excesso de uma racionalidade que não alcança a transcendência importantíssima para sairmos de nossos próprios umbigos, de nosso próprio ego infantil que quer ter cada vez mais, sem se importar com o semelhante, aceitando a ação patriarcal de séculos nos subjugando, reforçando nosso servilismo e estimulando o desejo de “crescer” como o patrão, como o senhor, e vir a ocupar seu lugar de poder, um dia, quem sabe! Essa atitude que toma como figura o masculino poderoso e empreendedor tem criado muita coisa boa, mas muita coisa ruim. E é sobre as coisas ruins que precisamos tomar consciência e ter coragem para mudar e sair da passividade, pois achamos que vivemos uma atividade para o desenvolvimento, mas que se revela a decadência  da espécie  humana. Então, é necessário sair para uma atividade geradora de vida, como só o útero, o feminino, a maternidade podem fazer. Pesquisem sobre as sociedades matriarcais, ainda existem, e pesquisem sobre as sociedades indígenas para verem que há saída, desde que haja boa vontade entre os homens.

De modo que esses resultados nefastos provêm de uma total desconexão com a vida; a vida sendo banalizada em todas as áreas sócio-políticas. Por isso, a importância de estar falando sobre o Princípio Biocêntrico como um tema a conhecer, a aprofundar e a criar dispositivos de ação.

O Princípio Biocêntrico, como já pontuei, situa a vida no centro de tudo e ponto de partida para tudo, e cria uma atitude muito simples, mas muito fundamental que é perguntar a si mesmo, em qualquer situação, “isso gera vida?”. Esta pergunta pode ser um guia para escolhas importantes e vitais e aponta para que reformulemos nossos valores culturais e para que os coloquemos a favor da vida. Mas não é tarefa fácil. A teoria da Biodanza, reforçada pelo Princípio Biocêntrico, é uma proposta que nos desafia; que nos coloca frente a frente com nossa capacidade ou não de tomarmos um novo caminho. É quase uma filosofia, mas se distancia desta porque pressupõe uma práxis, senão não ocuparia o lugar de degrau evolutivo. Tal Princípio é um caminho difícil de trilhar essencialmente porque contesta, confronta o status quo. Enfrentar padrões seculares de uma cultura de morte que se impõe através do mercado, do poder do dinheiro, que faz com que tudo neste mundo vire uma mercadoria, um produto, inclusive pessoas, é uma ameaça àquilo que consideramos nossa segurança, embora falsa – o que é conhecido é mais confortável do que o novo, mesmo que esse confortável indique a famosa zona de conforto, a água parada sem onda, medo de enfrentarmos os mares e suas instabilidades para descobrirmos novos continentes. Escolher ter a vida como referência é algo que precisa ser refletido por cada um de nós; precisaríamos mudar nosso entendimento acerca do que é viver com qualidade de fato, não só de direito.

Qualidade de fato diz respeito a conceber a sacralidade da vida, a compreender que tudo que se opõe à vida, à saúde psicofísica do sujeito e à saúde psicossocial de um grupo ou de uma sociedade, precisa ser refutado. Se o guia é o respeito à vida, toda fundamentação cultural baseada:

1º no dinheiro, que segrega, que marginaliza, amplia a distância entre as pessoas, categorizando classes sociais, criando identidades favorecidas pelo que possuem e as desfavorecidas pelas carências, mas sem que isso se torne um critério de ação social, mas muito pelo contrário, reforçando ideias de pessoas de valor, superiores a outras, criando, por fim, toda a violência urbana, PRECISA SER COMBATIDA!

2º. baseada no preconceito, que discrimina, julga, pune e mata as minorias, que não são minorias numéricas, mas consideradas minorias pelo critério de subalternidade, que são marginalizadas porque se diferenciam da norma dominante, sejam mulheres, negros, LGBTQI+, praticantes de religiões diversas,  PRECISA SER COMBATIDA

Diz Paul B. Preciado, em Um apartamento em Urano,  reforçando o que Rolando Toro diz em seus discursos de amor e vida: “é urgente inventar uma nova gramática que permita imaginar uma outra organização das formas de vida”. A sensibilidade, o desejo, o prazer, o amor sucumbem sob o domínio de uma cultura que despreza a alteridade.

3º. baseada na política antidemocrática que privilegia os ricos e massacram e exploram e assassinam os pobres, porque há várias maneiras de matar: pela fome, pela doença, pela exclusão social, pela falta de projetos sociais que visem ao crescimento educacional da população, condenando-a a permanecer na precariedade do pensamento crítico, uma forma de escravização, já que sem recursos intelectuais, permanecem condenados ao analfabetismo político, sem condições de serem agentes de transformação, PRECISA SER COMBATIDA.

Portanto, tudo que se baseia só no TER em detrimento do SER NA VIDA demonstra a patologia social, a banalidade do mal, como vários críticos de ontem e de hoje vêm chamando essa forma de NÃO estar COM o outro e acima de tudo  CONTRA  o outro.

O Princípio Biocêntrico, como diz seu criador, surge antes da cultura, como um projeto biocosmológico. Daí que se adotássemos tal princípio como nosso, como prática, como ação, mudaríamos nossa forma de estar no mundo, ainda que fosse a partir de nosso microcosmo: nossa família, nossos pequenos grupos sociais, nos quais o exercício de potencializar a vida torna-se um modus operandi. É necessário permitir e conservar a vida.

A partir desse conceito, aprendemos a respeitar o outro ser vivo, seja humano, animal, vegetal, não porque fazemos a eles uma concessão, porque somos racionais e, portanto, superiores, mas porque somos iguais. E de novo Krenak: “Nós não somos as únicas criaturas interessantes no mundo, somos parte do todo. Isto talvez tire um pouco da vaidade dessa humanidade que nós pensamos ser”. Ele continua indagando: “Somos mesmo uma humanidade?”. Porque ser humanidade que reproduz e mantém estruturas que aniquilam a própria humanidade, onde está a coerência, a legitimidade da nomeação? E, assim, ainda cria uma total desconfiança em o que é ser humano. Devemos acreditar que nosso maior BEM é a vida; este é o lado a que devemos pertencer. Padre Lancelotti tem uma fala de extrema grandeza quando diz: “A minha perspectiva é o fracasso, porque se eu buscar a vitória e o sucesso é porque eu aderi a esse sistema… quero estar do lado dos que perdem, do lado dos pisados e não dos que pisam”. Verdade que ele é um homem que dedica sua vida a cuidar dos necessitados; nós somos meros mortais tentando não naufragar nesse oceano desvitalizado. Mas o que tem essa fala do Padre Lancelotti a ver com o Princípio Biocêntrico? Tem a ver com a máxima da Biodanza: precisamos ir pelo caminho da contracultura. A cultura é anti-vida nos alimentos intoxicados que comemos; anti-vida na indústria farmacêutica que oferece saúde, força e alegria na droga que se ingere, mas que na realidade promovem mais enfermidades do que cura. Ora, se os sujeitos adoecem, toda sociedade adoece. Essas doenças são chamadas doenças da civilização, porque  esta civilidade mata! É cultura anti-vida na forma como se usam as redes sociais, que empobrece a capacidade crítica e diminui a disposição para a escuta e o diálogo, comprometendo o desejo de um saber amplo, trazendo conformidade com informações egocêntricas muitas vezes mentirosas, esvaziando as relações, dando a falsa impressão que estamos todos juntos, quando na verdade nunca se esteve tão solitário, tão desemparado. Anti-vida nas religiões que mais disseminam ódio do que conforto, religiões predatórias, que perseguem, pois se acham detentoras da palavra de Deus, mesmo que o discurso de ódio seja a tônica. Vide a fala recentíssima do pastor de Alagoas “orando” pela morte do ator Paulo Gustavo. E as religiões, em pleno século XXI, agem como se estivéssemos na Idade Média, com repressões de toda ordem, mas principalmente, como nunca deixou de ser, sufocando, condenando, punindo os corpos, os prazeres, a vida erótica de todos nós, as novas formas de amor, de amar. Herdamos as ideias de que o Paraíso não é para nós, que a sexualidade precisa ser controlada e subjugada a normas pré-estabelecidas, em detrimento da subjetividade,  ignorando o corpo e seus desejos e prazeres para servir unicamente à razão, único atributo qualificado como humano. O resto é animal e, portanto, condenável. A tentativa de controlar o que não tem controle , o que não tem governo, o que não tem medida, o que não limite, como diz a música do Chico Buarque, só resultou em totalitarismo, afastando todos e todas da ética do bem viver, do bem fazer. Anti-vida na educação elitista e excludente, que esqueceu e esquece ainda dos ensinamentos de Paulo Freire e Anísio Teixeira, só cumprindo com a lógica do mercado: ter um produto a ser vendido a qualquer preço, só reproduzindo o sistema perverso que perpetua o mundo em divisões binárias entre bons e maus, inteligentes e burros, homens e mulheres, os que podem e os que não podem, poderosos e fracassados, superiores e inferiores, etc.

Essa lista de valores culturais e de ações e projetos  anti-vida não tem fim. Talvez fosse o caso de perguntar: é viável uma cultura pró-vida? É possível instaurar o Princípio Biocêntrico? Isto não é uma utopia? Pode ser, mas individualmente podemos escolher a utopia e não a distopia presente nos dias de hoje. E nessa esperança cabe pensar um futuro diferente desde que nosso compromisso com a mudança comece em cada um de nós. O Princípio Biocêntrico pode ser revolucionário! Uma revolução pacífica, pautada em atitudes simples e cotidianas, ensinada às nossas crianças desde seus primórdios, relembrando aquela pergunta inicial: isso gera vida? Pois a sociedade não é o indivíduo e o indivíduo não é a sociedade? Quem educa as crianças? Quem lhes ensina a respeitar plantas e bichinhos, a respeitar os amigos diferentes de si, a cooperar em vez de competir, a ouvir tendo atitudes de ouvi-las também, a se expressar plenamente com sua vitalidade, com sua sexualidade, com sua criatividade, com sua afetividade, caminhos potenciais que precisam de ambiente propício para serem atualizados, realizados? Se mudar o paradigma, muda-se a práxis.

O criador da Biodanza guiado por este Princípio oferece uma prática educativa que instrumentaliza pessoas, não só professores, para ensinar a compreensão e explica que isso “é condição e garantia da solidariedade intelectual e moral da humanidade”. O que significa isso? Significa que é preciso usar a faculdade intelectual  também como um princípio para que o cuidado e o respeito à vida sejam as verdadeiras regras; regras que não são racionalizadas, mas são sentidas e vividas como necessariamente éticas! Quem tem um saber, e não só tem conhecimento, tem o dever moral e ético de cuidar de todos os seres vivos, criando condições para transformar espaços e história. A questão hamletiana, neste caso, é a seguinte: ser e estar num mundo cuidado ou morrer? Ser significa viver um sentimento profundo de pertencimento, de territorialidade, mesmo quando hoje tantos migram de seus lugares de origem, por condições precárias de sobrevivência, pela crença de que ser humano seria condição natural para ser acolhido em qualquer outro lugar onde tem seres humanos. Não importa a nacionalidade. Pertencemos à humanidade antes de sermos americanos, africanos, europeus, asiáticos. E estar no mundo diz respeito, sob a condição de vinculação entre os seres, à capacidade de transformar os ambientes para que sempre possam garantir a vida. Esta é uma possibilidade de vivenciar a inteligência afetiva, a inteligência que constrói uma sociedade fundamentada nos vínculos essenciais que propiciam conexão afetiva e efetiva com a vida. Educar pelo viés do Princípio Biocêntrico “é promover o direito à vida como base de todos os direitos e valores universais”, segundo Rolando Toro.  Hoje vem se falando sobre redes de solidariedade, mas é preciso avançar na compreensão do que significa isso. Solidariedade é um conceito muito refinado e complexo porque exige que se saia exatamente do lugar de quem tem e de quem vai ajudar quem não tem. Esta visão ainda é guiada pela herança capitalista e assistencialista. A solidariedade implica uma conexão afetiva com o outro antes de qualquer coisa. Só esta conexão nos torna empáticos, éticos, capazes de viver orientados para a cooperação, para a ternura, para a justiça, etc. A metodologia da educação biocêntrica é “reflexiva, dialógica e vivencial”. Propõe uma educação a partir do sujeito, de seu ser no mundo, de seus anseios, passando pelo verdadeiro diálogo, que é uma atitude democrática, que ensina a falar e sobretudo a escutar. Citando Márcia Tiburi, em Como conversar com um fascista, “o diálogo é o contrário do discurso e só ele pode desarmá-lo”, porque os discursos estão aí exatamente para evitar o diálogo “que leva ao pensamento analítico e crítico e além de tudo construtor de laços cognitivo-afetivos”. E a vivência fala da condição de se estar inteiro no processo ensino-aprendizagem, integrado, corpo-alma presentes, sentimentos e emoções presentes, razão a serviço do verdadeiro conhecimento que não pode abrir mão do corpo físico e suas sensações, presente em todos os processos onde há pessoas. Não cabe mais a educação bancária, que nos diz Paulo Freire, em que sentados e tomados como cabeças pensantes, oferecem-se conteúdos pré-estabelecidos, negando a experiência de construção de saberes.

Ainda na linha da educação, importa tocar na deformação dos impulsos de afinidade, de afetividade e de amor, causada pelos preconceitos, pelos falsos valores morais, pelo temor às novas formas de ser e de amar, ainda consideradas desvios sexuais, violentamente rechaçadas e condenadas. As manifestações de carinho, de ternura, tão primárias  são, de pronto, desqualificadas, criticadas e reprimidas desde a mais tenra idade, principalmente nos meninos, mas não só,  pelo temor ao sexo e ao prazer, mas sobretudo  por obediência a padrões rígidos e preconceituosos de adultos que acham que é preciso normatizar os afetos. Urge compreender que instituições, seja família, escola ou igreja operam nesse sentido a partir da soberania da razão, resultando no embotamento de emoções e sentimentos, resultando em sujeitos adoecidos e enfraquecidos de amor, potencializados na hostilidade e no ódio ao outro. Difícil, portanto, não ver reforçada, com essas atitudes, uma civilização pautada na perspectiva predatória, competitiva e consumista, naquilo que sabemos ser o consumo uma forma de preencher lacunas de vazios existenciais. Essa ação sobre os corpos da infância gera corpos de adultos submissos ao abuso, à exploração, à violência. Tudo isso forma o quadro de uma patologia social. Tudo isso é doença. E tudo isso é contra a vida. É a experiência de uma sociedade em agonia, deprimida e melancólica, em que os corpos adoecem pela falta de respeito e de interação amorosa.

O Princípio Biocêntrico, e vale ressaltar, a vida no centro de todas  as nossas ações, nos ensina que o encontro humano é sagrado e que esse encontro gera respeito, qualificação, proteção e nutrição do corpo e da alma, porque todos ansiamos por amor e, se não ficarmos atentos,  a sociedade vai criar  gerações e gerações de jovens com medo de amar, de se entregar, de intimizar. E esse princípio de vida tem a chave para abrir as portas da vida saudável, do prazer de viver, da vinculação com tudo e com todos os seres viventes, porque amor também se ensina. Através da convivência afetuosa entre os seres humanos pode-se formar uma ambiência poderosa capaz de fazer funcionar o conceito de ecologia em que o que é bom para um tem que ser bom para todos, garantia absoluta de viver harmoniosamente. Por isso precisamos ensinar a criar pares ecológicos , famílias ecológicas , comunidades ecológicas. 

As ideologias político-econômico-sociais vêm através da história destruindo não só o sujeito, como também o meio ambiente – o que já seria o mais caótico dos projetos -, mas vêm destruindo a crença no ser humano. Ser humano passou a ser visto e considerado pela “consistência ideológica” e não pela consistência afetiva. É preciso lembrar que a definição de saúde, segundo a OMS, desde os anos 40, “não é a ausência de sintomas, mas a presença de um estado pleno de bem-estar somático, psíquico e social”, acrescentando depois os fatores ambiental e espiritual. E espiritualidade não tem nada a ver com religião, mas com nossa capacidade de estarmos conectados conosco, com o outro e com o Universo, capacidade transcendente de irmos além de nós mesmos. Por isso, podemos dizer que as ideologias nada têm a ver com a sacralidade da vida e sacralidade é compreender a importância máxima que pode ter algo para uma pessoa ou um grupo de pessoas, aquele algo que elegemos como o verdadeiro valor a buscar, realizar e manter. Vejam como isso é desconstrução do que existe, do que vem sendo referência, mas que já demonstrou há muito para o que veio. É preciso coragem, determinação, assertividade para mudar esse paradigma; necessitamos recuperar nossa capacidade de criar, manter e celebrar os vínculos em ambientes que considerem a vida algo sagrado, um movimento, uma proposta que integra as pessoas e não que as separa, em que Eros possa vencer Thanatos, não no sentido da dinâmica intrapsíquica, mas como ação no mundo. Não basta só compreender o que é solidariedade, é preciso que ela se torne uma maneira de agir em grupos, pequenos que sejam, pois é a única maneira que temos de sobreviver. 

O Princípio Biocêntrico, uma vez internalizado como prática, é um norte para a saúde, no nível pessoal e por conseguinte no nível coletivo. Ele implica uma dimensão social, despertando em cada pessoa um profundo sentimento de fraternidade. Somos habitados arquetipicamente por símbolos preciosos de vínculos de amor, de proteção e de expansão de luz, símbolos que podem ser despertados, aprendidos e compartilhados, capazes de produzir uma mudança social profunda, como se despertássemos nosso instinto gregário, de coesão entre os indivíduos da espécie, que buscam, sempre, a sobrevivência , mas sobreviver não em subcondições  econômicas, sobreviver em condições dignas de um ser vivo. 

O Princípio Biocêntrico chama a atenção para a urgência da vida. A vida é pra já! Lembro aqui de Betinho quando disse: “se quer morrer, banalize a vida”. A vida se dá num eterno aqui-agora. Não se pode adiar a vida e vemos isto acontecendo neste exato momento. O número de mortos por Covid no Brasil é resultado de uma necropolítica.  Quando a vida não tem valor, pode-se destruí-la. O pior é que é o homem mais uma vez sendo o lobo do homem. Pode-se torturar, explorar, humilhar um ser humano, sob pretextos espúrios. É urgente ir contra esse caminho de destruição da vida e para isso é preciso acreditar que existe, sim, uma saída através da qual viver com qualidade é possível, desde que se tenha coragem, consciência e trabalho interno para se comprometer com a vida, com a própria, com a do semelhante e com a do meio-ambiente.

À pergunta também de Ailton Krenak, no mesmo livro, “Somos mesmo uma humanidade?”, o que temos para responder? As instituições sociais são criadas e mantidas para favorecerem a opressão, a tensão e o medo, modelo de tiranias travestidas de projetos sociopolíticos e a isso se chama tornar-se humano, civilizado, apto para viver em grupos e, pior, condicionados a achar que isso é bom, que o ruim é bom, mesmo vivendo perdas de liberdade, de conhecimento da verdade, de criatividade, de prazer, a favor da servidão ao sistema.

O Princípio Biocêntrico chama a atenção para a possibilidade de incluir o prazer de viver no nosso cotidiano. Não é uma meta a ser alcançada, mas uma vivência do e no agora. É possível trocar a guerra, a competição cruel entre as pessoas, os abusos de todas as formas, por contato sincero, encontros criativos, lúdicos e ecológicos, trocar por carícias e abraços sem temer o corpo do outro, trocar por entrega amorosa, sem temer a subjugação e os maus-tratos. Tantos séculos de civilização e os homens continuam matando, torturando, potencializando relações agressivas e violentas. Nunca é demais repetir!

Transformar, claro que progressivamente, a sociedade da agonia em uma sociedade hedonística,  ou próximo disso, é para a Biodanza um projeto possível; é ativar em cada um de nós potenciais inatos de amor, de troca, de cooperação. Se aprendemos a brigar e a competir, por que não podemos aprender a amar e cooperar?

O criador da Biodanza tem a seguinte fala e com ela termino: “Pode parecer subversiva uma disciplina que se funda no respeito pela vida, pelo gozo de viver, pelo direito ao amor e ao contato. O Princípio Biocêntrico desconhece toda forma de alienação ou condicionamento autoritário, seja esta de um governo – violência institucionalizada – ou de ideologia política e religiosa que discrimina os seres humanos”.

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